7 de set. de 2022

Ela, nós e o futebol

Não existe ambiente igual. Quem já foi ao estádio ver uma partida de futebol sabe que a sensação é melhor do que qualquer orgasmo, casamento ou receber o mais desejado dos presentes. Pertencimento. Essa é a palavra. Todos somos um e, neste momento, não temos diferenças, temos um time, que, obviamente, precisa de nós, assim como nós vivemos por ele.

Automaticamente você é meu irmão. Seja no metrô, na barraquinha de lanches ou na saudosa caminhada rumo ao estádio. Você está com a minha identidade, carrega o escudo do meu time no seu peito. Hoje, eu viro nós e nós temos apenas um objetivo. Você sabe qual é.

Tum-Tum-Tum, e vai ficando mais alto. Cada vez tem mais gente como nós. E hoje, mais do que nunca, somos nós contra eles. Nada mais importa. Tum-Tum-Tum. O coração entra no compasso da torcida organizada, o nariz sente o cheiro do pernil feito na hora, os ouvidos ouvem um falatório misturado com música e gritaria, a mão começa a suar sem você perceber até que, enfim, chegamos ao templo sagrado de todas as torcidas: o estádio de futebol.

Não sou de ter pena, afinal, não sou ave, mas lamento quem não ama, torce e vive por futebol. Que vida sem sal! A prova de que falta algo aos infelizes é que, em ano de Copa do Mundo, eles também viram nós. “Não se estresse, é só futebol”. Você já ouviu isso em época de Copa? Eu não, e nem pretendo ouvir, mas sei que vou me estressar.

Febre. Tremedeira. Confusão. Desgaste corporal. Raiva, muita raiva. Tudo junto. Me perguntam no hospital: “O que aconteceu?”. A resposta é óbvia, mas a medicina ainda não está tão avançada para curar torcedores fanáticos. Só existe uma resposta possível: “Meu time perdeu”. Nós lotamos o estádio, fizemos a festa mais linda de todos os tempos e o maldito do árbitro nos roubou.

Você pode não saber, mas tudo isso é por ela. Eu estou aqui por ela, você está aqui por ela, ele está aqui por ela e tudo isso foi construído para ela. Nós torcemos, indiretamente, para ela. Entra!, Entra!, Entra!, Ou Sai!, Sai!, Sai!

“Oba lá vem ela estou de olho nela

Não me importo que ela não me olhe

Não diga nada e nem saiba que eu existo

Quem eu sou pois eu sei muito bem quem é ela

E fico contente só em ver ela passar

[...] 

Pois sem saber ela é minha alegria

Mas ela deve ter um nome bonito igual a ela”, Jorge Ben Jor, flamenguista.

Sabe qual é o nome dela? Bola. A vida é uma releitura. A bola é mulher, a mais ciumenta, e precisa ser bem tratada, como diria Neymar. Jorge Ben quis retratar uma mulher em seus versos e, por que não a bola?

A santa bola, a princesa nessa história. A torcida vive para ver suas ações, mas sempre existe um vilão. Criatura sombria e asquerosa, nunca antes elogiada, sempre mal-intencionado e se esgueirando dos microfones e câmeras, aquele que nunca foi cantado em música, mas sempre é lembrado por todas as torcidas: o árbitro, que nos roubou hoje.

Torcedor que nunca xingou o árbitro, nunca se entregou de verdade. Quem nunca foi parcial, não torceu direito, quem não tem suas mandingas específicas durante o jogo, é leviano e quem é o herói dessa história toda só pode ser a torcida, que sempre supera os terríveis atos falhos dos árbitros e, contra tudo e contra todos, inclusive a vil imprensa, carregam o time e a princesa Bola rumo à terra prometida.